domingo, maio 21, 2006



Gustav Klimt
Goldfish, 1901-2
Solothurn, Private collection

"Foi duas noites após o meu regresso que as suas mãos, naturalmente, pela primeira vez, encontraram as minhas…
Ah! como as horas que passávamos solitários eram hoje magentas… As nossas palavras tinham-se volvido — pelo menos julgo que se tinham volvido — frases sem nexo, sob as quais ocultávamos aquilo que sentíamos e não queríamos ainda desvendar, não por qualquer receio, mas sim, unicamente, num desejo perverso de sensualidade.
Tanto que uma noite, sem me dizer coisa alguma, ela pegou nos meus dedos e com eles acariciou as pontas dos seios — a acerá-las, para que enfolassem agrestemente o tecido ruivo do quimono de seda.
E cada noite era uma nova voluptuosidade silenciosa.
Assim, ora nos beijávamos os dentes, ora ela me estendia os pés descalços para que lhos roesse — me soltava os cabelos: me dava a trincar o seu sexo maquilado, o seu ventre obsceno de tatuagens roxas…
E só depois de tantos requintes de brasa, de tantos êxtases perdidos — sem forças para prolongarmos mais as nossas perversões — nos possuímos realmente.
Foi uma tarde triste, chuvosa e negra de fevereiro. Eram quatro horas. Eu sonhava dela quando, de súbito, a encantadora surgiu na minha frente…
Tive um grito de surpresa. Marta, porém, logo me fez calar com um beijo mordido…
Era a primeira vez que vinha a minha casa, e eu admirava-me, receoso da sua audácia. Mas não lho podia dizer: ela mordia-me sempre…

Por fim os nossos corpos embaralharam-se, oscilaram perdidos numa ânsia ruiva…
… E em verdade não fui eu que a possuí — ela, toda nua, ela sim, é que me possuiu…"

Mário de Sá Carneiro

quinta-feira, maio 18, 2006


The Stolen Kiss
Jean-Honore Fragonard
The Hermitage

"Para onde quer que vá, carrego sempre comigo a tampa de uma esferográfica. É uma tampa de plástico, é azul e não há nada que a distinga das outras tampas de esferográficas. Quem olha para ela, reconhece imediatamente que é a tampa de uma esferográfica. Encontrei-a na rua, há sete anos, em Paris. Foi numa tarde em que tinha chovido de manhã. O passeio estava molhado e a tampa estava molhada. Ninguém a tinha pisado, estava intacta, como se alguém a tivesse deixado cair no momento em que precisasse de anotar um pensamento.
Como se essa pessoa estivesse tão envolvida por esse pensamento que tentava não esquecer, que deixasse cair a tampa da esferográfica e continuasse o seu caminho a escrever palavras tortas numa pequena folha de papel. Não foram poucas as vezes que tentei imaginar que pensamento poderia ser esse que tinha de ser escrito, que não podia ficar à deriva nas marés da memória, esse pensamento que não podia correr o risco de se perder."

José Luís Peixoto

terça-feira, maio 16, 2006


Dorothea Lange

A minha mãe fez 70 anos, uma mãe não é velha, uma mãe é eterna.

domingo, maio 14, 2006


Gil Vicente
Custódia, 1506
Museu Nacional de Arte Antiga

"Contorna inferiormente a base, um friso onde se lê a inscrição em caracteres latinos esmaltados a branco opaco: O. MVITO. ALTO. PRICIPE. E. PODEROSO. SEHOR. REI. DÕ. MANVEL. I. A. MDOV. FAZER. DO. OVRO. I. DAS. PARIAS. DE. QILOVA. AQVABOV. E. CCCCCVI."

NE: Uma tarde no MNAA

quinta-feira, maio 11, 2006


Cornelia Parker
Cold Dark Matter: An Exploded View 1991
installation
Tate Gallery

quarta-feira, maio 10, 2006


Aleksandr Rodchenko.
About This. To Her and to Me by Vladimir Mayakovsky, 1923
MoMA

segunda-feira, maio 08, 2006


Edward Weston
Pepper nº30, 1930


4.4.71
"Meu querido amor

Cada vez tenho mais saudades tuas, cada vez me fazes mais falta, cada vez tenho mais vontade de ti. Que loucura vai ser em Outubro! A minha vontade é não sair da cama todo esse mês! De manhã à noite! De noite a de manhã! De novo de manhã à noite! Podemos levantar-nos de vez em quando para comer – mas mais nada, mais nada. Apetece-me tanto sentir as tuas pernas monogramando-se nas minhas! E a tua boca! E o teu cabelo! Deixa crescer o cabelo num carrapito, de forma a o teu pescoço-caule ficar livre, minha flor, e eu poder selá-lo num colar de beijos- E poder ver as tuas lindas orelhas-conchas, e poder morder a tua nuca. Deixa crescer as unhas e pinta-as de vermelho. Se sairmos quero ver-te numa dignidade de «grande dame» se entrarmos quero sentir contra o meu um corpo de gata com cio a enrolar-se para mim, a esporear-me os rins, quero sentir as tuas duas mãos na minha cara, a tua língua na minha boca. Quero que te remexas e espasmes como um rabo de lagartixa cortado. Ninguém me acorda o sexo como tu, e escrevo isto numa excitação sexual imensa: tenho um mastro de bandeira na barriga. Quero ouvir gritos! Quero gritar em cima de ti! Sentir as nossas duas ondas crescerem ao mesmo tempo, arremessarem-se uma contra a outra, rebentarem numa explosão de espuma! Quero morrer e nascer, de novo, e tornar a morrer e a nascer! Porás umas meias pretas, sapatos de salto alto, um vestido afrodisíaco, cheirarás a perfume e a carne! Quero despir-te peça a peça entre beijos e gemidos, tocar a tua nudez, poisar a mão no teu sexo, passá-la ao longo das tuas coxas! Sou o teu homem e amo-te. Gosto tanto de ti! És tão bonita, tão elegante, tens um não sei quê de aristocrático, de pássaro peralta, de criança! Quero possuir-te com uma fúria de cavador cavalgando uma marquesa! Quero que tenhas um olhar desdenhoso e lento, um sorriso raro, um desprezo de monossílabos! Meu amor de Viseu! E ranger os dentes! E deitar-me ao teu lado, depois da onda, justificado, tranquilo, feliz, até a maré me subir de novo pelas pernas! Sou o teu homem. Só a ti amo. Até ao fim do mundo. Abraço-te muito.
António"

António Lobo Antunes
in D'este viver aqui neste papel descripto

La Vierge et l'Enfant entourés d'anges
Jean Fouquet, vers 1452-1455 (diptyque de Melun, volet droit)
Anvers, Koninklijk Museum voor Schone Kunsten

És muito quentinha e confortável...

quinta-feira, maio 04, 2006


Moïse reçoit les Tables de la Loi de la main de Dieu
Éthiopie, vers 1700. Manuscrit.
Vienne, Österreichische Nationalbibliothek, cod. äthiop. 25 f. 3v

NE: Este post é para o Carlos, a mãozinha é a do Zé Alberto.

Livre d’heures à l’usage d’Amiens
Picardie, XVe siècle

"A noção de amor varia de pessoa para pessoa. Muitas vezes estamos apaixonados ou estaremos agradecidos por gostarem de nós? Ou será que o outro é apenas alguém junto de quem nos sentimos menos sozinhos? Não sei bem o que é a verdade acerca do amor e duvido que haja quem saiba. Só tenho perguntas, não tenho respostas. Até que ponto o amor não é apenas a idealização de um outro e de nós mesmos?"

António Lobo Antunes, in DN 9/11/2004

quarta-feira, maio 03, 2006


"Helen Keller was born on June 27, 1880 in Alabama. She was a lively and a healthy child with a friendly personality. She could walk and say a few words. In 1882 she caught a fever that was very strong, she nearly died. She did survive but the fever was so strong that she could no longer see or hear."

"The Best and most beautiful things in the world cannot be seen or touched. They must be felt with the heart."
Helen Adams Keller