segunda-feira, maio 08, 2006


Edward Weston
Pepper nº30, 1930


4.4.71
"Meu querido amor

Cada vez tenho mais saudades tuas, cada vez me fazes mais falta, cada vez tenho mais vontade de ti. Que loucura vai ser em Outubro! A minha vontade é não sair da cama todo esse mês! De manhã à noite! De noite a de manhã! De novo de manhã à noite! Podemos levantar-nos de vez em quando para comer – mas mais nada, mais nada. Apetece-me tanto sentir as tuas pernas monogramando-se nas minhas! E a tua boca! E o teu cabelo! Deixa crescer o cabelo num carrapito, de forma a o teu pescoço-caule ficar livre, minha flor, e eu poder selá-lo num colar de beijos- E poder ver as tuas lindas orelhas-conchas, e poder morder a tua nuca. Deixa crescer as unhas e pinta-as de vermelho. Se sairmos quero ver-te numa dignidade de «grande dame» se entrarmos quero sentir contra o meu um corpo de gata com cio a enrolar-se para mim, a esporear-me os rins, quero sentir as tuas duas mãos na minha cara, a tua língua na minha boca. Quero que te remexas e espasmes como um rabo de lagartixa cortado. Ninguém me acorda o sexo como tu, e escrevo isto numa excitação sexual imensa: tenho um mastro de bandeira na barriga. Quero ouvir gritos! Quero gritar em cima de ti! Sentir as nossas duas ondas crescerem ao mesmo tempo, arremessarem-se uma contra a outra, rebentarem numa explosão de espuma! Quero morrer e nascer, de novo, e tornar a morrer e a nascer! Porás umas meias pretas, sapatos de salto alto, um vestido afrodisíaco, cheirarás a perfume e a carne! Quero despir-te peça a peça entre beijos e gemidos, tocar a tua nudez, poisar a mão no teu sexo, passá-la ao longo das tuas coxas! Sou o teu homem e amo-te. Gosto tanto de ti! És tão bonita, tão elegante, tens um não sei quê de aristocrático, de pássaro peralta, de criança! Quero possuir-te com uma fúria de cavador cavalgando uma marquesa! Quero que tenhas um olhar desdenhoso e lento, um sorriso raro, um desprezo de monossílabos! Meu amor de Viseu! E ranger os dentes! E deitar-me ao teu lado, depois da onda, justificado, tranquilo, feliz, até a maré me subir de novo pelas pernas! Sou o teu homem. Só a ti amo. Até ao fim do mundo. Abraço-te muito.
António"

António Lobo Antunes
in D'este viver aqui neste papel descripto